Ricardo E. Schütz
Primeira publicação: novembro de 2006
Última atualização: 2 de dezembro de 2017
... se a vida é um processo de conhecimento,
os seres vivos constroem esse conhecimento
não a partir de um atitude passiva
e sim pela interação.
Aprendem vivendo e vivem aprendendo.
(Humberto Mariotti, 2001, p.12)
Conhecimento, não acompanhado
das experiências que nos permitem sintetizá-lo,
é conhecimento de segunda-mão.
Centro de Convívio Intercultural (CCI), Centro de Convívio Multicultural (CCM) ou Centro de Convivência Multicultural (Language Living-Learning Center) é um conceito relativamente novo dentre as metodologias de ensino de línguas estrangeiras praticadas no Brasil. É inspirado nos inúmeros living-learning centers de muitas universidades da América do Norte e Europa, bem como nas muitas escolas de educação infantil bilíngue de países europeus. Encontra fundamentos no trabalho de Stephen Krashen e seu método para o ensino de línguas denominado Natural Approach. Os termos CCI e CCM foram criados pelo Instituto de Idiomas Schütz & Kanomata.
As velhas metodologias "tradução e gramática" e "áudio-linguística", ainda inspiradoras do ensino de línguas atual, estão desacreditadas. O modelo tradicional dos cursos de inglês, com sala de aula, professor, quadro-negro, livros em sequência, CDs ou pendrives, tema de casa e exercícios online, está em xeque por não proporcionar a proficiência esperada. O mundo atual exige uma eficácia maior na área do ensino de línguas.
Quem tem condições, vai buscar sua internacionalização no exterior, o que representa um investimento de tempo e dinheiro que nem todos possuem.
Centros de convívio multicultural representam uma alternativa prática e econômica ao oferecer experiências de convívio humano em ambientes autênticos da língua e da cultura estrangeira.
O QUE É UM
CENTRO DE CONVÍVIO INTERCULTURAL (CCI)?
In an LLLC (Language Living-Learning Center), the classroom and the school precincts become a natural language acquisition environment.
Nosso conceito de centro de convívio intercultural (CCI) é o de associações de pessoas de diferentes nacionalidades com interesses comuns em línguas e culturas.
O centro de convívio se estrutura a partir da formação de grupos de pessoas com interesses complementares. De um lado temos aprendizes e do outro, facilitadores. Brasileiros que querem aprender inglês, por exemplo, participam de encontros informais com estrangeiros de países de língua inglesa, falantes nativos portanto, os quais, na qualidade de autênticos representantes de sua língua e sua cultura, atuam como facilitadores.
Para o estrangeiro, o centro de convívio representa uma oportunidade rara de imersão na sociedade e na cultura brasileira. Ele vivencia o exotismo e os atrativos da cultura brasileira num programa que inclui hospedagem, aulas de português para estrangeiros, disciplinas universitárias, música, samba, capoeira, participação em academias de ginástica, e atividades turístico-culturais em fins de semana.
Para o aprendiz, um CCI é a oportunidade de construir relacionamentos
com representantes da cultura estrangeira, falantes nativos de suas línguas.
O aprendizado da língua se dá de forma natural, fruto desse convívio
em ambiente autêntico, no qual o aprendiz vivencia experiências
semelhantes àquelas dos programas de intercâmbio no exterior.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA [...] se a vida é um processo de conhecimento, os seres vivos constroem esse conhecimento não a partir de uma atitude passiva e sim pela interação. Aprendem vivendo e vivem aprendendo. (Mariotti, 2001, p.12). Estudos das teorias de Piaget e Vygotsky, também demonstram que a aprendizagem é fruto da prática social, na qual a interação tem um papel preponderante: Fica evidente que tanto a teoria psicogenética de Piaget, quanto a teoria sócio-histórica de Vygotsky, repercutem no contexto educacional, tendo como elemento cêntrico a atitude interacionista dos indivíduos com o meio sócio-ambiental. (Andrade, p.6) Em conformidade com essa linha de pensamento, que estabelece uma clara interdependência entre experiência, interação social e desenvolvimento cognitivo, CCIs são grupos de aprendizagem de línguas estrangeiras através da experiência de convívio com nativos da língua-alvo. Constituem-se em ambientes naturais de interação social, onde aquela curiosidade pelo desconhecido e aquele magnetismo natural de opostos que se atraem ou de diferenças que se complementam, proporcionados pelo contato multicultural, é elemento chave. Grupos de conversação com participação de falantes nativos de diferentes países de língua estrangeira, permitem ao aprendiz desenvolver familiaridade com a língua na sua forma oral isenta de desvios, negociar significados e desenvolver a comunicação criativa. A comparação de valores e o entendimento das diferenças culturais evitam que o aprendiz desenvolva hábitos intelectuais estereotipados. CULTURA A perspectiva cultural é um complemento indispensável no ensino de línguas estrangeiras. Sobre isso David Crystal escreve em 2013: Increasingly, over the past ten years, I've come to take the view that a cultural perspective is intrinsic to the future of language teaching and learning, especially in the case of English, as it becomes increasingly global. Once upon a time, I saw this perspective as a marginal or advanced feature of a curriculum – as I think most courses did – something that learners would 'add on' after achieving a certain level of competence. Not any more. A cultural perspective needs to be there from day one. (p. 21) A aprendizagem cultural, em sincronia com a aprendizagem da língua, leva o aprendiz a sentir-se à vontade na presença de estrangeiros. Os participantes estrangeiros, no papel de vetores de suas línguas e culturas, se sucedem a cada ano ou semestre. Cada novo contato possibilita ao aprendiz brasileiro a prática de construção de um novo relacionamento, sedimentando aquelas ferramentas linguísticas básicas ao convívio humano e diversificando sua familiaridade com variantes dialetais e culturais. CCIs viabilizam a implementação, da forma mais completa possível, da teoria de Stephen Krashen sobre assimilação natural de idiomas em seu Natural Approach, bem como da teoria sócio-interacionista de Vygotsky, aplicada ao aprendizado de línguas estrangeiras. COMO FUNCIONA NA PRÁTICA? Esses centros ou núcleos de convívio multicultural podem ser facilmente criados em escolas de ensino fundamental e médio, bem como em cursos de línguas, faculdades de letras e empresas. Com o auxílio da Internet ou de colaboradores no exterior, faz-se a divulgação e recrutamento. Um coordenador fica responsável pela seleção e contato com os estrangeiros interessados em participar, pelo cadastramento de famílias interessadas em hospedar estrangeiros, e pela montagem de um programa de língua e cultura brasileira para atender aos interesses dos mesmos. Com o apoio de instituições de ensino superior ou organizações de intercâmbio, obtém-se a legalização do estrangeiro em território brasileiro. |
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O CCI pode também ter autonomia para estabelecer contato direto com organizações estrangeiras voltadas ao intercâmbio de jovens adolescentes, podendo oferecer, para seus alunos mais destacados mas menos privilegiados, oportunidades de intercâmbio no exterior em escola de mesmo nível a preços de custo, sem as taxas de intermediação cobradas pelas agências de intercâmbio brasileiras que atuam como representantes das organizações estrangeiras.
CCIs NA EDUCAÇÃO INFANTIL – O FIM DO MONOLINGUISMO
O período ideal para tornar a pessoa bilíngue é a infância ou a adolescência. Pesquisas nos campos da neurolinguística, da psicologia e da linguística demonstram que, por fatores de ordem biológica e psicológica, quanto mais cedo, melhor.
A respeito do aprendizado de línguas na infância e da interferência da língua materna, Yehouda Harpaz diz:
Humans are born with an ability to comprehend and generate all kinds of phonemes, but during childhood (starting from birth, and maybe before) this ability is shaped by experience such that only the phonemes of the native language are easily comprehended and generated. In adults, these abilities are much less plastic, so adult learners of a new language find it especially difficult to comprehend and generate the phonemes of the new language that are not used in their native language.
At the time of learning to speak, the child learns to understand the world, and linguistic interaction forms most of the data in this learning. As a result, the learned neural structures that correspond to concepts tend to be associated with the neural structures that correspond to the words (by Hebbian mechanisms).
When an older person learns a language, the concepts already have neural structures, which are quite fixed. The neural structures corresponding to the words in the new language, which are determined by the perceptual input, have no relations to the former structures, and hence the association is relatively difficult to learn.
In learning a new language, the learner is not only required to perform new sequences of mental and motoric operations, but is also required not to perform the old ones. The old sequences are very thoroughly learned through practice, so it is very difficult to avoid performing them. Thus older second language learners find it very difficult not to slip back into their old language, both in terms of motoric actions (pronunciation) and mental actions (syntax structures, phrases etc.). For a young child, this is much less of a problem, because his/her language performance is much less practiced.
Para Harpaz, na infância, a aquisição da fala e a descoberta do mundo são processos paralelos. A interação linguística da qual a criança participa proporciona a maioria dos dados nesse processo de desenvolvimento cognitivo. Como consequência, as estruturas neurais no cérebro que correspondem aos conceitos que vão sendo aprendidos acabam naturalmente e intimamente associadas às estruturas neurais que correspondem às formas da língua.
Quando um adulto aprende uma língua estrangeira, seus conceitos (já formados) já possuem estruturas neurais fixas associadas às formas da língua materna. As estruturas neurais correspondentes às novas formas da língua estrangeira não possuem relação com as estruturas dos conceitos já formados, sendo esta uma associação mais difícil de ser estabelecida.
Pode-se portanto afirmar que o ritmo de assimilação das crianças não só é mais rápido, como o teto, mais alto. Até os 12 anos de idade aproximadamente a criança ainda tem a capacidade de assimilar a pronúncia do idioma estrangeiro ao mesmo nível da língua materna.
Por sua vez, a crescente procura por serviços de educação infantil para crianças em idade pré-escolar abre uma excelente oportunidade de erradicação do monoliguismo. Além de ser um período de desenvolvimento cognitivo máximo, é também uma época em que a criança ainda não se encontra sobrecarregada de atividades impostas pela educação formal. Nesta idade, a capacidade de assimilação e desenvolvimento da linguagem é máxima. A utilização de cuidadores falantes nativos criaria ambientes autênticos da língua-alvo e estes, além de cuidadores, funcionariam naturalmente como vetores de sua língua e cultura. Os laços afetivos funcionariam como catalizadores perfeitos e as crianças que frequentassem tais escolas de educação infantil já estariam perfeitos bilíngues ao ingressar no ensino fundamental.
REFERÊNCIAS:
ORIENTAÇÕES SOBRE DIFERENÇAS CULTURAIS PARA PARTICIPANTES DE CCMs
DEFICIÊNCIAS DO ENSINO DE INGLÊS NO BRASIL
RUMOS PARA O ENSINO DE LÍNGUAS NO BRASIL
Slide show:
Tendências e Propostas para o Ensino da Língua Inglesa